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Buraco negro: Deus estará por lá?

Até mesmo um buraco negro, na perspectiva da espiritualidade inaciana, pode ser algo que nos fala de Deus.

Cientistas da Fundação Nacional de Ciência (National Science Foundation), uma agência governamental americana, revelaram a primeira imagem capturada de um buraco negro.

Cientistas da Fundação Nacional de Ciência (National Science Foundation), uma agência governamental americana, revelaram a primeira imagem capturada de um buraco negro. (Divulgação/Twitter National Science Foundation)

Por Guy Consolmagno*

É possível encontrar Deus em um buraco negro? Graças à imagem divulgada pelo consórcio Event Horizon Telescope na quarta-feira, 10 de abril, pela primeira vez, temos uma prova directa de que um buraco negro é mais do que uma construção teórica. É uma “coisa”. Então, se Santo Inácio estava certo em nos inspirar a “encontrar Deus em todas as coisas”, o buraco negro certamente se qualifica para tal.

Uma analogia espiritual mais fascinante, entretanto, pode ser o fato de reconhecer que um buraco negro é um exemplo perfeito de algo em que acreditamos, embora não possamos vê-lo ou tocá-lo. Até mesmo a nova imagem divulgada pelo Event Horizon Telescope não mostra o buraco negro em si. Ela mostra a sombra do buraco negro, onde a poderosa radiação eletromagnéctica, emitida pelo plasma quente girando cada vez mais energicamente ao redor de algo grande e massivo no centro da galáxia M87 subitamente teve essa radiação cortada a zero em um limite discreto. E esse limite corresponde exactamente ao ponto em que a nossa teoria dos buracos negros sugeria que a luz de repente não mais escapava.

Esse limite, até agora teórico, tinha sido apelidado de “horizonte do evento” (daí o nome do “telescópio” – na verdade, uma coleção de radiotelescópios espalhados pelo globo –, já que qualquer evento que ocorresse dentro desse limite seria como que cortado da nossa visão do mesmo modo que o sol poente desaparece quando se desloca para baixo do nosso próprio horizonte. A fonte desse horizonte do evento, assim como o sol que se põe, certamente está lá; mas a sua luz é aprisionada para sempre pela sua gravidade. Nós não vemos o buraco negro, vemos a sua sombra.

Essa é apenas a primeira dessas, que se esperam que sejam muitas, imagens de muitos buracos negros. Os dados já foram obtidos sobre o buraco negro que sabemos que se encontra no centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Os dados do M87 foram primeiro reduzidos, porque era o mais claro e fácil de se trabalhar. Nas palavras de um dos cientistas do projecto, Heino Falcke, o buraco negro M87 é grande e lento, como um urso em hibernação, enquanto o buraco negro menor, mas mais próximo na nossa própria galáxia é tão activo quanto uma criança; tentar combinar imagens de muitos telescópios tomadas por algumas horas é mais desafiador.

Essas imagens nos dizem, em primeiro lugar, que realmente há algo no centro dessas galáxias. Aquilo que estávamos atribuindo a um buraco negro muito provavelmente é, na verdade, um buraco negro, não o artecfato de alguma teoria da gravidade peculiar e desconhecida.

Além disso, a coisa cuja sombra vimos corresponde exactamente àquilo que a teoria da relatividade geral de Albert Einstein de 1915 prevê. Muitos outros teóricos tentaram superar Einstein com ideias exóticas, mas, até agora, nenhuma delas se encaixa com todas as nossas observações sobre como o universo funciona tão bem quanto Einstein. De fato, a recente descoberta de eventos de ondas gravitacionais por outro novo avanço tecnológico, o experimento LIGO, complementa perfeitamente esse resultado do Event Horizon Telescope.

E outras observações mantêm a promessa de que, em breve, não apenas poderemos dizer que um buraco negro existe, mas até mesmo descrever as suas propriedades. A partir da imagem que foi recém-divulgada, ficamos sa saber que o buraco negro M87 está girando no sentido horário, do mesmo modo como a nossa Terra seria vista girando se a olhássemos a partir do Polo Sul; podemos dizer que estamos praticamente olhando para o “polo sul” do buraco negro.

Se o próximo buraco negro que virmos estiver orientado de forma diferente, de modo que possamos olhar para o seu equador e não para o seu pólo, então poderemos tentar ver se a sua sombra está “achatada” ou protuberante no seu equador. Medir o tamanho dessa protuberância pode nos dizer se a massa dentro do buraco negro está uniformemente distribuída ou concentrada em um núcleo mais denso. O buraco negro não é apenas um misterioso ponto de massa, mas também uma coisa com uma estrutura que podemos começar a deduzir.

Tudo isso é para o futuro. Por enquanto, é suficiente nos maravilharmos com aquela sombra no anel de fogo na imagem do Event Horizon Telescope. Os buracos negros são reais. Exóticos, estranhos, inesperados, bem fora da nossa experiência mundana; e, mesmo assim, tão reais quanto a sujeira debaixo dos nossos pés e fundamentais para o modo como a nossa própria galáxia (e o nosso próprio sistema solar) se tornou possível.

Sim, eu acho que você pode encontrar Deus lá.


America/ IHU – Tradução: Moisés Sbardelotto/ crédito DomTotal

*Guy Consolmagno é irmão jesuíta estadunidense e diretor do Observatório do Vaticano