BREVE ANÁLISE ORNITOLÓGICO-ECONÓMICA SOBRE O SOBREENDIVIDAMENTO DOS PORTUGUESES
O que têm em comum as pêgas (aves), poupas (também aves) com o sobre-endividamento?
Aparentemente, nada. É até um bocado estúpido fazer essa analogia.
Mas vai fazer sentido se fizermos uma reflexão sobre isso. Tudo anda à volta dos ninhos (casas).
De quando em vez, a minha mãe, que gosta imenso de ditados populares portugueses, e é ainda da época em que era possível fazer poupança, quando se comenta que alguém é forreta e que não gasta dinheiro com os pequenos (ou grandes) prazeres da vida para poupar para o dia de amanhã, senhora minha mãe utiliza o sábio ditado “Poupa, poupa e fazes um ninho de cócó!”
Toda a sabedoria popular portuguesa numa só frase! E faz sentido fazer esta analogia da poupança com o ninho das Poupas e das Pegas, e passo a explicar:
As poupas são umas aves muito giras que, para além de terem um carrapito na cabeça (poupa) fazem, literalmente, um ninho de excrementos. As poupas nidificam em buracos de árvores e, como forma de afastar eventuais predadores, estas expelem uma substância fétida. Daí o ditado.
Traduzindo isto para a vida do dia-a-dia, os portugueses, nos tempos que correm, não poupam, ponto. Portanto, isto já não é como antigamente, em que as pessoas metiam o dinheiro debaixo do colchão e pagavam a casa a pronto.
Atualmente o português vai ao banco e endivida-se até ao tutano para comprar casa, com crédito a 150 anos, com quatro fiadores e atestado criminal imaculado. Lá está: o tal ninho de excremento! E de cócó porquê? Por variadíssimas razões:
1.º Pedir crédito é uma merda (eu que o diga). É mais fácil sair do Protocolo de Quioto do que se livrar de um crédito.
2.º Os créditos são mais duradouros do que os casamentos. Aliás, pode-se acabar com o casamento, mas o banco jamais de nos deixa sair do crédito.
3.º Mesmo que morra e tenha o seguro de vida em dia, quem cá fica terá sempre de provar que morreu para que a seguradora ative o seguro. Por vezes um simples atestado de óbito não chega…
4.º Até pode ter morrido, mas deixa dívida e descendência? A sua vida, só, não chega. Tem toda uma árvore genealógica descendente para continuar a pagar o crédito.
Mas há ainda outro ditado popular português que ilustra bem o explicado supra: “Ninho feito, pega morta”.
Lá está: está com quase 120 anos, termina de pagar o crédito ao banco e tem um AVC ou ataque cardíaco e “bate a bota” sem gozar um sequer minuto de liberdade bancária.
Trabalhou até aos 100 anos (sim, qualquer dia, a idade da reforma vai ser essa!) para andar de “cara levantada” e “não dever nada a ninguém”, tem as contas em dia e olha para trás e toma consciência de que sobreviveu a um crédito.
Não VIVEU! “Arrastou correntes” para deixar uma casinha para os filhos que, eventualmente, mais tarde, nem sequer vão querer aquela casa e vão viver para Bali, depois de fazer o roteiro do livro “Comer, Orar, Amar”.
De facto, eles é que estão certos, porque o melhor da vida é comer, orar e amar.
Gabriela Torres