Vinte anos depois da intervenção da “comunidade internacional” que repôs em “funcionamento” o estado afegão, os talibans regressaram ao poder, num golpe rápido depois de conhecida a indisponibilidade momentânea dos USA em ali permanecerem, depois da vitória do presidente Biden.
Vai agora o povo afegão organizar-se em pequenas repúblicas afegãs, dominadas pelos senhores das cidades, normalmente dominadas pelas famílias influentes de cada região. Controlarão as suas comunidades, com regras próprias, mas todas elas unidas por uma visão religiosa que vai ditar o comportamento dos cidadãos.
Acaba o Estado – embora formalmente ele seja visível e gerido a partir de Cabul -, mas vai sobrepor-se este modelo que se viveu em tempos da Itália, na idade média, com as cidades-estados também elas dominadas por famílias – um modelo que ainda mostra no mesmo país resquícios antigos através de organizações piratas, como a máfia.
As principais vítimas serão as mulheres, elas que, nestes vinte anos de “libertação”, ocuparam funções públicas em 2o por cento dos lugares profissionais.
Quem puder vai fugir para os chamados “países ocidentais” onde foi construído um modelo de sociedade baseado nos princípios da revolução francesa que, acabando com a monarquia, ali implantou a República baseada nos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade”. Isto em 1789!
Avanços e recuos num mundo hoje horizontal, onde pela globalização, os cidadãos têm uma visão da comunidade internacional. É preciso sorte na “escolha” do país onde acabamos por nascer.
Europa em causa
A chamada “europa civilizada” demorou séculos na sua construção. A visão humanista da sociedade baseada na carta das Nações Unidas foi desenhada nos princípios do cristianismo que coloca os direitos das pessoas e das suas comunidades como fundamento da legislação do Estado de “direito”.
A própria noção de Estado consolidou-se como uma organização que exige o respeito pelo povo, pelo seu território, na função de organizar, pela lei, a convivialidade de todos, confortados pelo princípio de igualdade perante a lei comum.
França como laboratório do futuro
Devemos olhar para França (e também Alemanha), países que nas últimas décadas têm acolhido milhões de emigrantes árabes, necessários como força de trabalho nas suas indústrias. São ali respeitados na sua visão cultural, integrados nas respectivas sociedades, com um índice de natalidade elevado, estruturalmente necessário para o equilíbrio do sistema de segurança social, dada a crise de fecundidade dos europeus.
Cresce assim a influência dos emigrantes na economia e no sistema político dado que pela legislação ocidental passam a participar no sistema democrático local. Chama-se a isto “força eleitoral” que se manifesta num iceberg em crescimento lento e sustentado, verificando-se nestes país o domínio político em organizações autárquicas.
Ao mesmo tempo autarcas franceses, sobretudo, começaram a autorizar e a promover a demolição de igrejas por todo o território ao ritmo de uma por mês, em nome da “tolerância religosa” e a pluralidade da vida política, isto depois de nos anos 80 se ter retirado dos locais públicos as imagens religiosas que traduzem a visão ocidental da vida como crucifixos e outras imagens.
Este apagamento dos sinais que antes de serem religiosos são culturais, foi acompanhado de uma crescente autorização de construção de mesquitas, em nome da “liberdade religiosa” e pluralidade da sociedade.
Tudo isto acontece em silêncio, provocando a desaparecimento nos média da narrativa cristã, como se ela fosse prejudicial ao desenvolvimento humano e da sociedade
Os princípios da igualdade, fraternidade e liberdade são assim doseados de acordo com os interesses de momento, sempre medidos pelos apetites eleitorais das forças políticas. Esquecendo e/ou apagando a matriz cultural europeia a favor de uma mundovisão que se pretende “neutra” sem se perguntar quais as consequência futuras para a civilização europeia.
A actual tendência trás dentro de si o veneno que nos porá em causa. Competirá à Europa traçar um caminho solidário, de acolhimento de emigrantes, por justiça e necessidade, respeitando a cultura de todos, mas com o cuidado de não apagar a memória que nos mantém de pé – as legitimas e naturais convicções culturais que nos permitem olhar, acolher e transformar a terra que nos foi dada para viver.
Precisamos de estar atentos às notícias que nos chegam de França. Os efeitos costumam chegar cá rapidamente.